06 julho, 2009

Por que o legalismo é perigoso?

moises As considerações que fazemos, neste post, têm base na psicologia profunda de C. G. Jung. Portanto, consideraremos, para efeito de entendimento, a palavra "legalismo" (para nós, cristão, excesso da lei mosaica), como diferente de "moral" (entendida, para todas as pessoas, como aplicação de princípios éticos-morais, adotados por uma sociedade).

Quero dizer, com isso, que "legalismo" e "moral" não vêm a ser uma só e mesma coisa, também dentro da cultura cristã evangélica.

O Engano Que Os Cristãos Cometem

Iniciando nossa argumentação, devemos deixar claro que o engano e a confusão que nós, cristão, muitas vezes, impensadamente, cometemos, é imaginar que a moral foi dada a nós e a todos os homens, pelas tábuas da lei, que Moisés trouxe do Monte Sinai.

Aquelas tábuas da lei e os mandamentos nela contidos, foram dados ao povo hebreu, à nação israelita, ao povo eleito de Deus, como um sinal visível, no deserto, em primeira mão.

Nós os recebemos depois, na forma do ensinamento dos dez mandamentos que, evidentemente, valem sim, para nós, assim como valem para os judeus.

Onde Reside o Engano, Então?

O engano está em confundir a Lei com o sentimento moral, comum a todo ser humano.

Paulo disse que não conheceríamos o pecado, se não houvesse a Lei e isso é verdadeiro.

No entanto, apesar de a Lei ser a Lei de Deus, explicitamente manifestada através dos dez mandamentos, existe um sentimento moral que já nasce com todos os homens e faz parte de sua psiquê.

A psicologia, a sociologia e a antropologia confirmam que todos os povos, de todas as culturas e de todas as religiões (até aquelas das mais primitivas civilizações, nas mais remotas ilhas) nascem com um sentimento moral, manifestado sob a forma de um sentimento religioso, mesmo que o "deus" que veneram sejam um totem, um ídolo, o fogo, o sol, a lua ou as estrelas.

Esses povos nunca chegaram a conhecer o decálogo de Moisés e os que chegaram, tinham a sua religiosidade manifesta muito antes disso.

E Onde Reside o Perigo, Então?

O perigo reside no fato (de consequências nefastas, infelizmente) de que os cristãos exageradamente legalistas, ao privilegiarem o legalismo, recalcam para o inconsciente, todo o seu sentimento moral-religioso inato.

Quando isso acontece, toda a sua "fé" e todo o seu "discurso piedoso" passam a ser sustentados exclusivamente pelo legalismo exagerado, extremamente frágil (pois constitui apenas uma casca) para resistir às tentações.

Essa é a razão pela qual, tantas e tantas vezes, testemunhamos aquelas pessoas mais defensoras de uma "pretensa santidade", através do legalismo exagerado, caírem nos mais torpes e mais rasteiros pecados.

E as Consequências Acabam Aí?

Infelizmente, não, uma vez que, segundo Jung, o homem deve aprender a conviver e a aceitar o seu lado mais negro (que ele, em sua psicologia, chama de sombra.

Mesmo os cristãos mais sinceramente convertidos, continuam sendo pecadores e possuem, portanto, a sua sombra, com a qual devem aprender a conviver pacificamente.

Uma prova disso é que, quem quer que leia atentamente os ensinos paulinos, perceberá que o apóstolo Paulo nunca deixou de trazer dentro dele o velho Saulo de Tarso, mas houve uma harmonia entre os "dois", uma vez que, pela Graça, Paulo não negou, mas absorveu em sua personalidade, o antigo Saulo.

O que não acontece com os cristãos legalistas extremados. Estes, ao invés de integrarem o velho Adão – o seu lado sombra – preferem renegá-lo, recalcando-o para o inconsciente.

Os Resultados

O primeiro deles é aquela fragilidade moral, sobre a qual já falamos. O legalista acha-se "santo", vê-se como "piedoso", acusa e coloca na cadeira dos réus a seus irmãos, com a maior facilidade.

No entanto, o seu coração está repleto das fantasias mais imorais imagináveis, a sua mente está repleta das mais sórdidas perversões, os seus pensamentos, quase sempre, são de sensualidade e luxúria.

As condenações que fazem aos demais são projeções de suas próprias condenações, que não suportariam admitir.

A Lei dos Opostos

Em seguida, em algum momento de suas vidas, acontece a Lei dos Opostos, ou Lei dos Contrários, no dizer de Jung. De repente, de uma forma surpreendente, passam para o extremo oposto.

Um exemplo inocente é o caso de um pastor que conheci que, numa Copa do Mundo abominava o futebol e defendia a exclusão de todos os crentes que possuíam televisão.

Na Copa do Mundo seguinte, não apenas ele próprio adquiriu uma TV para assistir aos jogos, como orava para que o Brasil fosse campeão.

Exemplos Menos Inocentes

Os exemplos menos inocentes constituem aqueles em que, os conteúdos recalcados inconscientes, vêm à tona da consciência como que um vulcão.

Nesses casos, a pessoa mais "santa" passa a ser exageradamente liberal; as que vêem pecado em tudo passam a não enxergar pecado em mais nada.

É comum tornarem-se "liberais", permissivas e promíscuas. Em alguns casos, infelizmente, tornam-se literalmente apóstatas e defensoras do ateísmo mais pagão.

Conclusão

Lutar contra o pecado é o espinho na carne de todos nós. Essa é uma luta, por vezes inglória; todavia deve sempre estar respaldada na Graça, pois somente pela Graça é que podemos ser salvos, unicamente pelos méritos de Cristo.

Isto posto, é dever de todos nós, pedirmos em nossas orações, que o Senhor nos conceda discernimento para reconhecermos e evitarmos o legalismo que anula a Graça.

E que os pastores legalistas reconheçam que estão emocionalmente doentes. Orem e procurem ajuda para, como Paulo, ficarem em paz com seus "Saulos de Tarso" interiores.

Que possam ficar tão emocionalmente sadios de tal maneira que, ao invés de esbravejarem com o dedo em riste, sejam capazes de pregar, obedecendo o ensino paulino, em Gálatas 6.1:

"Irmãos, se alguém for surpreendido nalguma falta, vós, que sois espirituais, corrigi-o com espírito de brandura; e guarda-te para que não sejas também tentado".

Tony Ayres

7 comentários:

  1. Só você como psicanalista e cristão, poderia com audácia e coragem discernir sobre um tema tão melindroso como esse: “o legalismo dentro do cristianismo”. Pode até soar como paradoxo essa minha frase entre aspas, uma vez que a graça nos veio salvar das obscuras trevas da maldição da Lei.

    Parabéns meu caro amigo. Você trouxe com leveza, sensibilidade e graça o que Jung tão bem denominou de “sombra”, e fez ver, mais uma vez, que não existe incompatibilidade entre as instâncias da psicanálise e do cristianismo.
    Aliás, eu não tenho dívida, de que a psicanálise, só é o que é hoje, graças as Boas Novas do Evangelho. Pode parecer até loucura, para alguns, o que estou aqui a dizer.

    A “sombra” de que Jung tanto se ocupou em estudar, o apóstolo Paulo já vislumbrava nesse inspirado discurso que fez aos Romanos, do qual eu tiro agora uma pequena amostra:

    “Eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum”. (Romanos 7: 18)

    “Quando quero fazer o bem, o mal está comigo.” ( Romanos 7: 21)

    O que Paulo falou, Jung
    corroborou, senão vejamos:

    “Eu sei que em minha carne habita o velho Saulo de Tarso (sombra).

    “Quando eu quero fazer o bem, o Saulo (sombra) está comigo”.

    Faço votos, para que todos os blogueiros cristãos, não deixem de ler e refletir sobre essa sua significativa contribuição, em prol do genuíno Evangelho, que tem a graça por alicerce.

    Que Deus te ilumine sempre, com mais artigos desta estirpe.


    Graça e Paz,

    Levi B. Santos

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  2. Caro Levi:

    Fico muito feliz com o seu comentário; aliás, ele muito me incentiva, uma vez que aprendi a conhecer você e a admirá-lo.

    Não pelo fato de você ser médico, ou pelo fato de ser um cristão-blogueiro-evangélico, apenas.

    Mas porque aprendi, há muito tempo que, assim como Jesus disse que "a boca fala do que está cheio o coração", assim também, um homem se projeta naquilo que escreve.

    E o que você escreve, meu amigo, não deixa dúvidas sobre o seu caráter e a sua fé não fingida.

    Creio que esta é uma das maiores bênçãos da Internet: através dela, encontramos verdadeiros amigos com os quais podemos solidificar a nossa fé promover o mútuo crescimento.

    Mesmo que eles morem a milhares de quilômetros!

    Pode ter certeza de que o blog "Ensaios & Prosas" tem proporcionado uma reflexão profunda a muitos de nós; do tipo que não encontramos nas igrejas.

    O "Psicoterapeuta Cristão" continuará sempre, com certeza, aprendendo com ele.

    Abraço fraternal.

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  3. Irmão Tony,

    Graça e paz!

    Parabéns pelo seu blog! Passeando na internet o encontrei, e foi uma felicíssima descoberta. Sou sedento por conhecimento, e vejo que aqui serei conduzido a reflexões sadias. Quanto ao texto, gostei muito e gostaria de comentar o seguinte (deixando de lado o significado do termo “legalismo” em si):

    O sentimento moral, que já nasce conosco, deve ser aperfeiçoado e, às vezes, pode necessitar ser restaurado. A vontade cotidiana de agradar a Deus pode nos levar a novas ponderações; a convivência e conivência com o pecado desvirtuam o sentimento moral do cristão. Enfim, a excelência de uma moralidade só vem com a obra de Cristo no ser humano.
    A lei Mosaica serviu de aio para nos conduzir a Cristo, mas agora essa Lei não deve ser aceita, nem em excesso como em escassez. Pois aquilo que há nela de proveitoso para os cristãos foi incorporado ao Evangelho. “Já não estamos debaixo do aio” (Gl 3.25), mas não estamos sem lei (1 Co 9.21).
    No entanto, na lei de Cristo não há respaldo para o que hoje se conceitua como “legalismo”, prática que considero não como legalismo, e sim como heresia, ignorância, opressão.
    Porém, mesmo que não conheçamos a Lei de Moisés podemos discernir o que é pecado. Então, mesmo não tendo sido a lei do Espírito que tenha trazido o conhecimento do pecado para o mundo, ela nos convence da existência dele, e nos faz distingui-lo.
    Além disso, a lei de Cristo nos torna consciente da falhabilidade humana e da necessidade do perdão divino, e mais, nos deixa seguro de que verdadeiramente o recebemos. Agora não devemos conviver pacificamente com a nossa “sombra”, mas devemos lutar para crucificá-la. Paulo, sendo homem também cometeu falhas, mas o crédito daquilo que anteriormente foi dito por ele através de revelação divina não foi diminuído. Sua luta era constante para cumprir aquilo que Deus falou através dele mesmo (1 Co 9.27). Portanto, mesmo que uma pessoa não pratique alguma ideologia, tenha uma crise emocional e etc., não se pode desmerecer algum ensinamento. A verdade de Deus sempre será verdade!
    Ainda que aqui neste mundo não cheguemos a varão perfeito, à medida da estatura completa de Cristo, não podemos deixar de buscar a perfeição.

    Conclusão: Os fracassos conseqüentes do mal que habita em nossa carne, nem sempre são comuns aos outros, e por isso não podem ser tratados pacificamente. Do contrário, criaria uma influência à unificação e aceitação dos erros.

    Cordialmente,

    Wesley

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  4. Meu caro Wesley:

    Tive muito prazer em ler o seu comentário e perceber não apenas a sua inteligência e facilidade de raciocínio; mas também, a preocupação com a fé e, principalmente, com a Palavra.

    No entanto, desejo esclarecer-lhe que "conviver pacificamente com a própria sombra" não significa, absolutamente,"aceitar pacificamente o pecado", haja vista que o pecado é a única coisa que nos pode separar de Deus.

    Quando Carl Gustav Jung cunhou, em sua Psicologia Profunda, o termo "sombra", ele se referia àquela região inconsciente e obscura que todo ser humano possui.

    "Conviver pacificamente com a sombra" significa TORNAR-SE CONSCIENTE desses conteúdos maus e obscuros, tarefa que, por si só, representa uma enorme dificuldade, mas que, a despeito disso, deve ser empreendida por todo aquele que almeja crescer emocionalmente e tornar-se um ser humano melhor.

    Veja que falamos no nível psicológico, aqui, e não no espiritual.

    Nesse plano, portanto, alguém que "crucificasse a sua sombra" estaria se auto-condenando à doença emocional para sempre. No mínimo, seria vítima de uma neurose, mas, com mais probabilidade estaria a caminho da desintegração, da própria personalidade.

    Um homem que não reconhece a sua sombra, projeta nas demais pessoas tudo aquilo que faz parte dela e, paradoxalmente, ele mesmo não a consegue enxergar.

    Já aquele que, mesmo dolorosamente, aprende a reconhecê-la e a aceitá-la, sabe, com certeza, o pecador que é e, como consequência, se torna muito mais benigno e benevolente para com o seu próximo.

    Para usar uma parábola de Jesus, a fim de ilustrar essa questão, podemos dizer que o pecador que, sem julgar-se digno de levantar a cabeça, batia no peito, no templo, dizendo: "Ó, Deus, tem misericórdia de mim, pecador"; sem dúvida, tinha conhecimento de sua própria "sombra".

    Já o mesmo não acontecia com o fariseu presunçoso, que, arrogantamente, enumerava as suas "virtudes" e dava graças a Deus por não ser "igual ao pecador" que foi, quem, na verdade, voltou para a sua casa "justificado".

    Poderia ir além, neste pequeno arrazoado, mas isso ficaria muito longo.

    Desejo reiterar, finalizando, que devemos, sim, crucificar a nossa carne para o pecado.

    Mas nunca "crucificar a nossa sombra", pois isso signicaria não reconhecê-la.

    Forte abraço!

    Em Cristo.

    Tony Ayres

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  5. Prezado Tony,

    Obrigado por seu esclarecimento. A princípio, já havia concordado que temos que reconhecer a nossa “sombra”, e agora entendi o emprego do termo “pacificamente”.

    Forte abraço

    Wesley

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  6. Graca e paz amado escritor e psiquiatra cristao. E com muita alegria e satisfacao que venho sempre ver seus posts, sou fa de carterinha de seus escristos. Que nosso amado Jesus continue lhe usando tremendamente para sempre falar aos coracoes de evangelicos, cheios de amarras kkkk, abraco, que sejas cehio do Esprito Santo

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  7. Viviane Jacome

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