17 junho, 2009

O PERIGO DO INCONSCIENTE

astra2005_1 Todos nós já ouvimos a expressão: "entrei numa roubada", sem refletir o que ela, na verdade, representa, tanto em relação ao seu significado, quanto em relação à amplitude desse significado.

Por mais contraditório que isto possa parecer, não é incomum, por exemplo, um indivíduo, levado por um impulso irresistível, comprar aquele carro que lhe parece de "seus sonhos", e rodar com ele, feliz, por alguns dias ou algumas poucas semanas.

A "felicidade" do sonho despenca na realidade, quando ele recebe o carnê de pagamento das prestações e percebe que contraiu uma dívida de 60 meses ou cinco anos. Tem, então, a percepção de que "entrou numa roubada".

O caso do carro comprado por impulso é ainda muito menos grave, no entanto, do que um casamento realizado em iguais circunstâncias. Os enamorados justificam-no como "paixão à primeira vista" e não submetem os próprios sentimentos à confiável prova do tempo.

O chamado "efeito halo" (entenda halo, aqui, como aquela auréola circular que aparece sobre a figura ou imagens de santos) impede que a pessoa "apaixonada" enxergue qualquer defeito no ser amado, que é, obviamente, o par perfeito ou, em outras palavras, "a outra metade da laranja".

Somente quando o tempo arrefece a paixão é que o roncar enquanto dorme, as toalhas molhadas abandonadas no chão do banheiro, os tubos de pasta esquecidos destampados e os desleixos para com a própria aparência, além de, talvez, uma crônica instabilidade no trabalho; acabam por mostrar "a roubada" em que se entrou.

Os dois exemplos mencionados acima foram propositalmente colocados aqui para demonstrar que o ser humano é, na realidade, guiado pelo inconsciente, e não por sua porção racional e consciente como se supunha, até o advento da Psicanálise.

E QUAL SERIA A IMPORTÂNCIA DISSO?

Creio que o simples fato de ter consciência dessa realidade pode impedir-nos de cometer enganos grosseiros, alguns deles, muito difíceis de serem reparados. Temos que ter em mente que a vida é uma dádiva divina, mas que deve ser vivida com liberdade e responsabilidade.

Um casamento precipitado, por exemplo, realizado com a pessoa errada, geralmente acaba tendo consequências que se perpetuam no tempo, como a geração de filhos, que serão vítimas inocentes de cabeças que não pensaram direito sobre uma decisão crucial na vida.

O CASO ESPECIAL DA REPRESSÃO

Fechamos, agora, as lentes de nossa reflexão para o caso específico da repressão, muito típico de igrejas evangélicas exageradamente legalistas, que produzem doentes emocionais em série.

Geralmente esses doentes são pessoas que se tornaram neuróticas, não por causa do ensino bíblico verdadeiro e saudável; mas por serem ensinadas por pastores que ensinam a Bíblia de acordo com a "cartilha eclesial" na qual eles mesmos foram ensinados, perpetuando, dessa forma, a doença emocional que se manifesta como neurose, cujo principal motivo é a repressão.

Essa repressão acaba por abarcar toda a vida dessas pessoas, manifestando-se, principalmente, como repressão sexual, repressão cultural, maniqueísmo religioso, visão engessada e unilateral; forte tendência ao julgamento e à condenação, inflexibilidade, couraças de caráter e, finalmente, sintomas psicossomáticos, sob diversos tipos de doenças físicas.

A LEI DOS CONTRÁRIOS

Tudo o que dissemos acima é muito perigoso por causa da daquilo que C.G. Jung chamou de lei dos contrários, uma vez que a psique humana está sujeita a auto-regulação.

Isso significa que se a pessoa neurótica (reprimida) não for devidamente tratada, essa repressão, muito provavelmente virá à tona exatamente pelo seu contrário.

Essa é a razão pela qual vemos, tantas vezes, pastores ou líderes eclesiásticos, conhecidos como verdadeiros homens de Deus, caírem, de repente, na mais rasteira formas de adultério e outros desvios sexuais.

Isso, na melhor das possibilidades. Na pior delas, podem se tornar apóstatas e até mesmo ateus confessos, passando a viver de uma maneira que constitui exatamente o contrário do que viveram até então.

Importante é ressaltar que não apenas pastores estão sujeitos a essa "mutação" moral; mas qualquer pessoa doutrinada de uma forma exageradamente legalista.

CONCLUSÃO

Concluímos este post lembrando o dito do antigo filósofo: "in medium virtus" (a virtude está no meio), querendo significar, com isso, que os extremos devem ser evitados, se desejamos ter uma vida emocionalmente saudável.

Paralelamente, temos sempre que nos lembrar, que nossa vida é regida pelo nosso inconsciente. Portanto, temos que estar sempre atentos à essa realidade, se é que, realmente, não desejamos "entrar numa roubada".

Equilíbrio, sensatez, sobriedade e bom senso são os verdadeiros antídotos que podem nos livrar dos fantasmas do legalismo e da repressão, ao lado, obviamente, de um ensino bíblico isento e saudável.

"Estai, pois, firmes na liberdade com que Cristo nos libertou, e não torneis a colocar-vos debaixo do jugo da servidão" (Gal. 5.1)

"Se, pois, estais mortos com Cristo quanto aos rudimentos do mundo, por que vos carregam ainda de ordenanças, como se vivêsseis no mundo, tais como: Não toques, não proves, não manuseies? As quais coisas todas perecem pelo uso, segundo os preceitos e doutrinas dos homens; As quais têm, na verdade, alguma aparência de sabedoria, em devoção voluntária, humildade, e em disciplina do corpo, mas não são de valor algum senão para a satisfação da carne" (Col. 2. 20-23).

Tony Ayres

4 comentários:

  1. Prezado amigo

    Muito esclarecedor esse seu artigo, sempre nos fazendo ver com maestria, a interdisciplinaridade entre as esferas da religião e da psicanálise.

    Não tenho dúvida nenhuma de que a semente que você está plantando em nosso meio, germinará, em benefício de todos nós, que formamos a igreja do Senhor.

    O profeta Jeremias (17 ;9), configurando cabalmente a existência do "inconsciente", já dizia:
    "Enganoso é o coração do homem, mais que todas as coisas, e incorrigível. Quem o conhecerá?"

    Graça e Paz,

    Levi B. Santos

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  2. Caro Levi:

    Refleti bastante sobre o versículo de Jeremias, mencionado por você.

    E acho que ele resume, com muita exatidão, o que pretendi dizer.

    Muito obrigado pela oportuna intervenção, meu amigo.

    Abraço Fratenal.

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  3. Querido irmão,
    amei este texto! Acabo de sair da igreja onde congreguei por um ano por estes motivos, além de outros...
    Se você lembrar, ore para que o Senhor me direcione para a Igreja onde poderei ser bênção e tamb´me ser abençoada.
    Um grande abraço,
    Pra. Tânia

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  4. Pra. Tânia:

    Que bom saber que o texto lhe fez bem. Com certeza, o Senhor lhe dirigirá para o que for melhor.




    em Cristo.

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