“Fiquei contente ao saber que você está fazendo psicoterapia. Parece-me que você decidiu "passar a vida a limpo"e, pelo jeito, já descobriu algumas coisas importantes.
Quero lhe dizer que, fazer terapia quase nunca deixa de nos trazer coisas tristes, pois, ela nos revela "aquele lado feio e negro" da nossa vida que nunca quisemos ou pudemos enxergar. Ela nos mostra quantos trastes inúteis acumulamos nos "porões" da nossa alma durante anos e anos.
Mas esse "encontro com o próprio eu", por mais sofrido que seja, é compensador, acredite.
Chega uma hora na vida em que não desejamos mais mentiras, não queremos mais fantasias. É o momento de enfrentarmos os nossos próprios fantasmas e de ganharmos forças para vencê-los e seguir em frente.
Sabe, os budistas dizem que a infelicidade dos homens existe porque eles são vítimas do "desejo de ignorar". A psicanálise, por outro caminho, descobriu que eles têm o "desejo de não querer saber".
Por isso, existe esse enfrentamento na terapia: temos que vencer as resistências e conhecer a verdade sobre nós mesmos. Aí, num sentido psicológico, cumprem-se as palavras de Jesus:"E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará".
E já que me referi à verdade ou às verdades, deixe-me dizer-lhe mais uma que, por certo você já descobriu, mas, possivelmente, ainda não "lhe caiu a ficha". Você me diz, no e-mail, que quer ter uma vida sólida (você acha que somente uma "vida sólida" a fará feliz).
Mas...Rubem Alves há muito tempo escreveu (e eu concordo com ele) que "vida sólida" não existe! Ele diz que nós acreditamos que a nossa vida seja forte como uma esfera de aço. Na verdade, porém, ela é frágil como uma bolha de sabão! Basta um ventinho mais forte e essa bolha estoura.
Isso é revelador porque nos dá coragem de fazer o que acreditávamos não poder! Ensina-nos a viver pequenas coisas como grandes feitos e a valorizar cada aparentemente "pequena" conquista. Mostra-nos que devemos parar de perseguir "o ótimo" que, como a linha do horizonte, está sempre longe; e a aceitarmos "o bom", que já está pertinho de nós.
Rubem Alves também nos ensina que devemos ser corajosos como a aranha. A aranha tem coragem de lançar-se no abismo, confiando apenas num fio! Sim, porque ela acredita no fio de sua própria teia, ela lança-se para mais fundo e para mais longe, mesmo em meio à escuridão.
O Almir Klink, entrevistado pelo "Fantástico" deste último domingo, deixou claro que ele não precisa de dinheiro, não precisa de propriedades, não precisa de "status"não precisa de "poder" para ser feliz. Ele só precisa ser livre para viajar (entenda "velejar") e, velejando, ele atravessou, sozinho, os oceanos, chegando ao lugar que ele mais gosta: a Antártida.
Que tal você discutir com seu/sua terapeuta qual seria a "sua Antártida"?
Torço por seu crescimento e felicidade!”
Tony Ayres
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