23 setembro, 2009

Nossos delatores internos

764451215162383 Sempre me lembro daquele livro velho de fábulas, já se desmanchando de tanto ser manuseado, que era uma das poucas leituras que eu podia dar-me ao luxo, na minha infância austera de menino pobre.

Uma das estórias de que eu mais gostava chamava-se "Os Três Grãos de Milho". Ela relatava como um pobre diabo veio pedir esmola à porta de um jovem fazendeiro que acabara de herdar a fortuna do pai.

O arrogante moço arrancou de uma espiga três mirrados grãos e atirou-os indolentemente ao inoportuno pedinte, proferindo a frase que se tornou o título da fábula:

"Tome lá esses três grãos de milho!"

O restante da estória narrava como aquele pobre plantara, diligentemente, os três grãos; e dos pés de milho que deles germinaram, colheu várias espigas, que novamente plantou e, assim, persistentemente, de sucessivos plantios e colheitas, tornou-se um próspero agricultor.

O pobre pedinte veio a ficar muito rico, enquanto o rico, que lhe atirara os grãos, preguiçoso que era, viu sua fazenda ser tomada por ervas daninhas, e, por fim, perdeu tudo, por sua estupidez.

Como se vê, essa estória fala de extremos. O pobre esmoleiro torna-se rico fazendeiro, enquanto o afortunado herdeiro torna-se um "João Ninguém".

Essa é, na verdade, uma metáfora muito apropriada à nossa psiquê. Os conflitos mais íntimos do ser humano acontecem simplesmente porque em sua mente habitam, de lados diferentes, o ex- esmoleiro e o falido fazendeiro, que representam as forças poderosas, mas opostas, das instâncias consciente e inconsciente, que todos nós possuímos.

Aliás, se todos nós levássemos mais a sério a importância dessa realidade, seríamos muito mais cuidadosos com nossas palavras, nossos discursos e nossos escritos.

E POR QUE DEVEMOS TER ESSA SERIEDADE?

Porque nós nos projetamos em nossas palavras (por isso, Jesus disse que "a boca fala do que está cheio o coração"). Só que, sem que percebamos, nossas palavras nos denunciam também (por isso, Jesus disse que "pelo fruto se conhece a árvore).

Nesse ponto voltamos aos dois extremos que habitam a nossa mente e que se opõem entre si.

E, ONDE ESTÁ A PROBLEMA AÍ?

O problema está exatamente na expressão "extremos".

Os extremos são os "delatores" das verdades mais íntimas de cada um. Isso significa que todo aquele que defende suas opiniões, preferências, ideologias, etc; e, principalmente, aqueles que condenam atitudes alheias com "unhas e dentes", com veemência excessiva e com total inflexibilidade podem estar, simplesmente, "confessando suas próprias culpas".

Assim, o homem que se autodenomina ético e prega para o mundo inteiro a ética, no fundo, provavelmente é um ser sem ética alguma.

Da mesma forma, os que vivem, a toda e qualquer oportunidade, condenando o homossexualismo, provavelmente são homossexuais "enrustidos".

Creio ser bastante razoável refletirmos um pouco sobre isso porque essa verdade é reveladora.

Quem tem opinião formada sobre qualquer assunto simplesmente emite essa opinião, quando alguém a solicita. Não tem nenhuma necessidade compulsiva de ficar apregoando-a aos quatro ventos.

Tony Ayres

15 comentários:

  1. Uau, Tony, Impressiono-me sempre que leio os seus textos pela capacidade de colocar o dedo na ferida e me fazer refletir dobre meus comportamentos.
    meu pai já dizia " Quem desdenha quer comprar e quem muito alarde faz culpa no cartório tem!"

    um grande abraço

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  2. Querida amiga Creuza:

    Seu pai, sem dúvida, foi sempre um homem sábio, mesmo que nunca tivesse estudado psicologia.

    Alegro-me pelo fato de saber que você lê os meus textos e que, de alguma forma, eles lhe fazem bem.

    Obrigado pela visita e seja sempre bem-vinda.

    Tony

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  3. Caro amigo Tony

    Grato pela boa e instigante aula de psicanálise.

    Este seu texto, me fez lembrar de um trecho da música "Sampa" de Caetano Veloso:

    "Narciso acha feio o que não é espelho..."

    Um abraço fraterno

    Levi B. Santos

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  4. Caramba! Refletir é preciso... Obrigada. Abraço.

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  5. Oi, Antônio!

    Minha compreensão é que julgamos e somos julgados o tempo todo, mas, por ética, não expressamos abertamente, a menos que o procedimento da pessoa seja insuportável.
    Tenho imenso respeito pelos erros alheios, porque eu também não sou perfeita. As únicas coisas que não admito é a desonestidade, a deslealdade, o descomprometimento, a mentira e outras coisas do gênero, mas mesmo indignada prefiro guardar o meu coração. Ando um pouco “assustada” com algumas coisas que tenho lido em alguns blogs... Algumas pessoas vivem para criticar, sempre procurando e destacando as falhas dos outros. Tais pessoas convidam outros a serem críticos também. Quando condenamos as pequenas falhas de outros, eles terão motivo para nos condenar também!
    Difícil! Inconscientemente acabamos "julgando" atitudes que não aceitamos! E aquilo que nos incomoda tanto nos outros é como um espelho... é aquilo que não aceitamos em nós mesmos!

    Que post maravilhoso...
    Shalom

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  6. Meu amigo e irmão Levi:

    Sua citação de Caetano foi mesmo muito oportuna. Na verdade o mito de Narciso mostra-nos que ele se apaixonou pela própria imagem, justamente por não estar consciente de que aquela imagem era o reflexo dele próprio.

    Esse erro custou-lhe a vida, assim como os "Narcisos modernos", sem saber, cometem suicídio emocional.

    Admira-me a facilidade com que você entra em sintonia com aquilo que estou tentando dizer em meus posts.

    Obrigado pela força!

    Abraço fraternal.

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  7. Pastora Guiomar:

    Se interpretei bem sua interjeição de espanto, isso quer dizer que você entendeu a mensagem metafórica do texto.

    Que bom que podemos ajudar-nos uns aos outros.

    Fique na Paz!

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  8. Oi, Márcia:

    Veja como, às vezes, acontecem coisas em nossas vidas que parecem mesmo não serem coincidências.

    Minha Bíblia está com a fita marcando o capítulo 7 de Mateus, onde tenho refletido, precisamente, no verso 2, onde Jesus nos ensina que com o critério que julgarmos, também seremos julgados.

    Para ser sincero, creio que o meu blog pode ser incluído entre aqueles que a assustam (rsrs) porquanto reconheço que tenho sido, muitas vezes, crítico também.

    No entanto, existe sempre uma razão em minhas postagens (o propósito é de conscientizar, abrir os olhos, mostrar o outro lado da moeda).

    Tento ter critério. Mas, como diz você, é difícil não julgarmos.

    Ainda assim, exitem pessoas boas (e você está incluída entre elas) que conseguem enxergar alguma virtude naquilo que por aqui fazemos.

    Obrigado, amiga, por seu comentário enriquecedor.

    Shalom

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  9. sábias palavras...
    Olá tudo bem? Espero que sim...passando pra deixar meu carinho e oferecer muitos presentes...passa no meu blog ok? te espero! Deus te abençoe... bjinhos

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  10. Cristiane:

    Obrigado pela visita. Estarei, sim, visitando o seu blog.

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  11. Impossível não entender Tony, vc é tão claro quanto água limpa.
    Já estou convidando outros amigos para conhecer seu blog,mas por favor, tire o pastora... rsrsrs Abraço.

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  12. Cara Guiomar:

    Melhorou assim? Fico-lhe grato pela força.

    Abraço fraternal.

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  13. Seu blog, meu querido amigo, sempre será um ponto de crescimento para todos aqueles que, como eu, amam pessoas sensatas e equilibradas. Pessoas sensíveis e transparentes e tementes a Deus, como você. Impossível não ficarmos “fregueses” (rs) do seu bom senso.
    Te admiro,
    Shalom

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  14. Márcia:

    Só posso dizer que, em tudo o que disse, a recíproca é verdadeira.

    Também te admiro.

    Shalom

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  15. puxa vida ainda bem que existem voce e a psicoterapia senao jamais conseguiriamos compreender a nos mesmos bravo. maluco

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