07 março, 2010

O Melhor Presente de Casamento

                                                                                   Um conto de: Tony Ayres

 

 

 

LasBodasDeCana Os raios prateados do luar invadem displicentemente a janela de um tosco, mas cuidadosamente arrumado quarto de uma casa simples construída em pedras, iguais a tantas outras da pequena cidade de Caná.


O vento fresco vindo do mar da Galiléia ameniza o calor do dia, que castiga e torna a tez trigueira nas mulheres e a pele mais dura e avermelhada nos homens.


É justamente um desses homens, ainda muito jovem na idade e já experimentado nos labores da vida que, dentro do quarto, contempla os raios do luar, que teimam em seduzir seus olhos, enquanto seu coração vagueia e seu espírito devaneia de maneira quase que irresistível.

A noite tem o condão de trazer consigo sonhos, que, nesta época da vida, além de serem belos, ainda que não isentos de preocupações, são vivenciados mais acordados do que dormindo.

A voz do coração sempre é mais forte do que a da razão, mormente quando o coração ama e uma preocupação teima em turvar o ânimo daquele que, mais do que nunca, deveria estar feliz.

O silêncio é completo e quando a sua música inaudível se faz presente, apenas o contemplar do luar e do brilho das fulgurantes estrelas da Palestina levam os pensamentos cativos à imagem da amada que, em algum lugar, não muito longe, dorme o sono das virgens prometidas.

O Rabi que há pouco chegara de Nazaré e de cuja fama se ouvia falar em toda a região às margens de Tiberíades e para além da Galiléia, na província da Judéia; já conhecida por gentios e pelo povo da terra ensinara que não se pode esconder uma cidade edificada sobre um monte.

Caná não ficava sobre um monte, mas essas noites enluaradas cujos raios prateados penetravam cada pequena fresta faziam dela um espelho natural, impossível de não ser notado pelo natural ou pelo estrangeiro.

Benjamin – este era o nome do moço amante e amado – recostado em seu catre pensava sobre o grande passo que estava para dar. Seu sono havia ido embora, mas não por inquietações perversas, que trazem dor ao coração e infelicitam a alma.

Sua vigília era provocada por outra sorte de inquietude: aquela que somente o coração dos amantes tem o privilégio de conhecer. Não dormia por puro prazer em imaginar o sono da noiva, e tal sentimento ele o trocava de bom grado por uma noite insone, ainda que suas mãos calejadas tivessem que albardar os camelos nas primeiras horas da madrugada.

Pensava no meigo sorriso da doce Ester dormindo em sua magnífica recâmara.  Imaginava os cachos dourados de seus cabelos acalentando seus seios virginais, cobertos pela alva seda dos lençóis. Com certeza os sonhos da jovem seriam para ele, sabidamente, o único amor de sua vida.
Mas...seu pensamento tornava ao novo Rabi, que curava os enfermos e dava pão aos pobres.

Benjamin dividia o seu coração entre a felicidade de pensar em Ester e em considerar como seria esse Rabi tão desejado. Imaginava-o um homem bondoso e compassivo; pois que outra razão senão essas qualidades poderiam mover um Sábio tão afamado a fazer de pescadores seus mais íntimos amigos?

Entregue a essas reflexões, as fibras que teciam a rede na qual trabalhava feriam-lhe as mãos, sem que nem mesmo sentisse.
De repente, um pensamento, como um raio, atravessou-lhe a mente: Suas bodas com Ester estavam se aproximando; quem sabe por um desses milagres inexplicáveis, de que tanto ouvira seu pai lhe contar, o Rabi novo pudesse estar presente, tornando a festa a mais linda que Caná jamais presenciara?

Não havia ele próprio, e o pai, de viagem à Judéia, sido batizados por João Batista, o profeta do deserto, nas águas do Rio Jordão? E não havia ele ouvido da boca de João Batista, aquelas palavras que marcaram a sua vida indelevelmente?

“Aquele que tem a esposa é o esposo; mas o amigo do esposo, que lhe assiste e o ouve, alegra-se muito com a voz do esposo. Assim, pois, já este meu gozo está cumprido”.

Ora, Ester estava para ser sua esposa e, pelo que sabia o novo  Rabi era jovem, quem sabe sete ou oito anos apenas mais velho do que ele. Enfim, exausto, dormiu com esse pensamento embalando seu coração: ele, o noivo feliz com a sua amada; Ester, a linda esposa que lhe estava destinada; e, alegrando-se em sua alegria, o novo Rabi, como o amigo do noivo, assim mesmo como João havia dito, às margens do Jordão, na Judéia.

De fato, seu coração adivinhava.

Alguns dias depois, o mais feliz de sua vida, finalmente o seu sonho se realizou. As rubras faces de Ester, iluminada por seus lindíssimos olhos azuis como pedacinhos do céu, os seus lábios rosados e trêmulos de felicidade; o seu talhe esbelto cuidadosamente ornado, enfim, Ester inteira, de corpo e alma era lhe entregue por esposa, na tão esperada noite das bodas.

E quando os serventes mostraram-se aflitos porque o vinho da festa se acabava, eis que surge o novo Rabi, como havia ele sonhado, e lhe dá o mais precioso dos presentes: O milagre da água agora transformada no melhor vinho que jamais existira.

2 comentários:

  1. Olá Ayres,
    Fiquei feliz com sua visita ao nosso blog.
    Desejo muito estar carregando preciosas dádivas, nas minhas singelas postagens, sei que muitos preferem escritores de pedigree assegurado, que aceitem suas visões, ecoem os seus pensamentos... (parafraseando o Brennan Manning)

    Gosto de visitar alguns blogs de pessoas cultas e as admiro muito, mas priorizo aqueles que revelam ter uma maior amizade com Deus,que têm experiências procedentes deste convívio estreito que produz crescimento para a eternidade.

    Não sei se captei bem, mas creio que você estar desfrutando do vinho novo e tem provado da sua excelência... Se acertei, louvo a Deus por este grande amor com o qual tem abraçado você.
    Sua postagem é bela e poética, próprio de alguém que vivencia um grande e doce amor. Abraços.

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  2. Prezada:

    Obrigado por ter tido a paciência de ler o conto. Sei que postagens mais longas afastam leitores, mas um blog é um espaço onde podemos colocar nossas experiências e as coisas de nossos corações.

    De fato, o Senhor tem-me permitido provar um tempo de vinho novo.

    Abraço fraterno.

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